UM DIA DE APOSTADOR

A equipe do Jornal Comunicação, da Universidade Federal do Paraná, foi conhecer uma das lojas da Apostou Loterias: A primeira empresa privada de loterias regulamentada no Estado do Paraná. Aqui você verá um relato e alguns registros da nossa experiência.



A CHEGADA

A história começa no coração do Bom Retiro, em Curitiba. Ali funciona uma das unidades da Apostou, casa de videoloterias que ilustra um fenômeno recente no Estado. Autorizada pela Lottopar, essa loja não é um caso isolado, já que ela faz parte de uma rede que se espalhou rapidamente por bairros da capital e pelo interior do Paraná, Inspiradas pela reportagem do Guilherme Lara da Rosa, do jornal O Globo, fomos ter a experiencia completa ao vivo.Chegamos pouco antes de anoitecer, em uma sexta-feira nublada de novembro. Um pouco apreensivas pela dimensão exagerada do exterior, entramos em um hall que apresentava o estabelecimento.



A LOJA

Ao cruzarmos a porta, a nossa visão foi imediatamente testada. O contraste entre a luz natural da rua e a penumbra do salão criou uma confusão momentânea, logo preenchida pelo exagero visual de aproximadamente 60 máquinas ligadas. Eram terminais de videoloteria com estética de caça-níquel, remetendo a jogos populares como o 'tigrinho' e bingos eletrônicos.Fomos rapidamente abordadas por uma atendente, uma mulher na faixa dos 40 anos, que ofereceu uma introdução simples ao sistema. A regra era clara, com pagamento exclusivo via Pix, e apostas variando entre dez e 50 reais.A experiência prática revelou a natureza do negócio. No jogo de bingo, uma das repórteres viu seus R$ 10 se converterem em R$ 2,50 em questão de minutos, em meio a um estímulo visual intenso e uma mecânica de jogo confusa. Na roleta, a segunda repórter teve mais 'sorte' e recuperou R$ 4,60 dos R$ 10 investidos. Mas mais do que a busca pela dopamina ou pelo prêmio, o foco era outro. Enquanto os botões eram apertados e as músicas das máquinas tocavam sem sincronia, observávamos discretamente quem eram as pessoas que frequentavam o ambiente.



QUEM APOSTA

Ao mapearmos o salão, o perfil demográfico ficou nítido. Das 15 ou 20 pessoas presentes naquele horário, a grande maioria ultrapassava a barreira dos 50 anos. Muitos jogavam sós, em seus terminais, mas não isolados. Em um canto, uma dupla de senhoras, aparentando seus 70 anos, dividia a atenção entre a tela e a conversa.O jogo predileto não era a roleta rápida, mas o bingo. O mais intrigante, porém, não estava na tela, havia um murmúrio constante, conversas em tom baixo cruzando o salão. Percebemos ali uma comunidade construída e entendemos que aquele era um ponto de encontrol. Para elas, estar ali era a extensão natural do diaPara nós, repórteres disfarçadas de clientes, a sensação era de intrusão.

ESTRATÉGIAS DE FIDELIDADE

Deixamos os terminais e fomos conhecer o café-bar da Apostou, um canto estratégico da loja. Ali, a lógica do lucro das máquinas dava lugar a hospitalidade. Os preços eram baixos para os padrões de Curitiba, especialmente num bairro nobre (uma lata de refrigerante custar apenas cinco reais foi novidade para nós).Para completar, café e bolachinhas são servidos como cortesia. Entre um gole e outro, notamos que as funcionárias mantêm conversas animadas com os apostadores, criando um vínculo social que humaniza o ambiente e convida o cliente a ficar mais um pouco.E claro, a maior surpresa para nós foi a alimentação gratuita. Pedaços de pizza de diversos sabores eram sempre levados quentinhos ao balcão. Uma das atendentes nos deixou a vontade para comer e sentar por ali, obviamente depois de averiguar se tínhamos apostado mesmo.



A SORTIDA

Enquanto mantínhamos o olhar atento à movimentação, decidimos arriscar uma última cartada na 'Sortida', outra modalidade legalizada oferecida pela casa. Desta vez, a interação saiu do físico e migrou para a palma das nossas mão.Um QR Code nos direcionou a uma página web. O falso anonimato deu lugar à exigência de um cadastro completo, com nome, celular, CPF e e-mail. A condição para jogar era abastecer a carteira digital com no mínimo cinco reais. O valor rendeu e conseguimos cerca de 20 cartelas.A dinâmica, no entanto, mantinha a intensidade das máquinas, com sorteios em estilo de um bingo que aconteciam a cada 10 minutos. E, para não perder o costume, o resultado foi o mesmo dos jogos anteriores. Não vencemos nada e o prejuízo do dia já somava 17 reais.

Saímos da loja em silêncio, carregando uma mistura de sensações. Havia o choque pelo que vimos, a revolta pela naturalidade com que o sistema opera, e, é preciso admitir, o resquício químico da experiência: Os nossos cérebros, inundados pela dopamina, ainda sussurravam a perigosa ilusão do 'na próxima a gente ganha'.Como aquilo tudo podia ser tão trivial? Tão legalizado? A resposta nos esperava na calçada. Enquanto tentávamos processar a visita, três senhores fumavam do lado de fora. Foi ali, entre os ruídos da rua, que ouvimos a frase que sintetizou o absurdo daquela hora em que ficamos ali. Com a serenidade de quem planeja ir à padaria, um deles sentenciou:"Se Deus quiser, amanhã eu aposto."